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Cruz Fernando Lucas

A Herança...

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A Herança…

Hoje acordei com o chilrear dos passarinhos e com os raios de sol a entrar pela janela do meu quarto. Estava um dia radiante. Sentia uma enorme ansiedade e estava muito curioso, pois era o dia de aniversário do meu avô e ele convidou-me para ir dar um passeio a cavalo. Disse que me ia mostrar a maior de todas as heranças.

            Quando cheguei a casa do meu avô, este já tinha preparado a égua e o cavalo para o nosso passeio.

            ___ Olá, meu pimpão!

            ___ Bom dia, avô. Parabéns! – disse eu.

            ___ Obrigado, meu rapagão. Hoje quero-te mostrar a maior herança que um homem pode receber!

            O meu avô subiu para o cavalo com alguma dificuldade pois tem estado bastante doente. 

            ___ Estás bem, avô?

            ___ Eu tenho andado “adoentado”, estou como o nosso planeta. Tenho visto na televisão coisas que nunca pensei ver. Numas regiões há seca, noutras há inundações, já não sabemos quando é verão nem inverno, ninguém cuida nem protege a floresta, estão a desaparecer muitos animais e plantas! Se não mudarmos os nossos comportamentos, a natureza vai-se revoltar contra nós!

            Ao longo do passeio, o meu avô falou-me de como era a vida antigamente e de como fora feliz na sua infância. Ao passarmos pelo rio Rabaçal, disse-me que tinha sido ali que aprendera a nadar, que nos dias quentes de verão despia-se e ia nadar na sua água límpida e transparente.

            Apesar de durante o passeio irmos sempre a conversar, o meu avô fez questão de me chamar a atenção para vários pormenores, pois, nesta altura, as videiras estão a abrolhar, as amendoeiras já estão a florir, os passarinhos andam em grande agitação a construir os seus ninhos, as velhas oliveiras irradiam paz e harmonia, os cães brincam, as ovelhas comem a erva do lameiro com grande satisfação, as abelhas andam numa grande azáfama a pousar de flor em flor…

            ___ Aqui é o meu paraíso. Já disse ao teu pai que não quero que aplique pesticidas, pois estes não matam só as ervas daninhas, matam tudo, até as abelhas morrem! Têm desaparecido muitas plantas e animais devido à utilização incorreta e abusiva dos produtos químicos. Agora ninguém quer sachar nem mondar! Pensam que resolvem tudo com aplicação de químicos! Mas estão muito enganados. Muita gente aplica inseticidas para matar os insetos que causam estragos nas culturas, mas também matam outros bichinhos que são úteis. Sabes que as joaninhas comem o pulgão que ataca as culturas?  - perguntou-me o meu avô.

            ____ Não sabia avô. – respondi eu com sinceridade.

            ____Ainda és muito novo, tens muito que aprender. A vida vai-te ensinar! Quando eu era criança, também não sabia. Sempre que encontrava uma joaninha, colocava-a na palma da mão e dizia: “Joaninha, voa, voa, leva esta carta para Lisboa, que eu te darei pão e broa”! Ela voava e eu ficava todo contente…

            De repente, avistei o meu pai e o tio Eduardo que andavam com o trator a colocar estrume num olival.

            ____Para que é que o meu pai coloca estrume no solo? - perguntei eu ao meu avô.

            ____ É para alimentar as oliveiras pois, se não enterrar o estrume no solo, elas não vão ter alimento e vão produzir menos. Além disso, o estrume funciona como uma “esponja” e, quando chover, vai absorver a água que depois disponibilizará às culturas no período estival. Sempre fiz a “estrumeira” para fertilizar a terra mas agora deitam muitos adubos químicos, que vão contaminar a água e o solo, que são recursos que não têm preço. A ganância do Homem vai levar à sua própria destruição. – afirmou o meu avô com grande convicção.

            ____ Vamos chamar o teu pai e o Eduardo para “matar o bicho”. A tua avó colocou uma cesta com a merenda na carrinha antes do teu pai e os rapazes saírem.

            ____ A carrinha está além, no caminho que dá acesso à vinha! – disse eu apontando com o dedo.

            ____ Já a vi. – respondeu o meu avô

 ___ Avô, qual era o presente que mais gostavas de receber neste dia do teu aniversário?

___ O que eu queria era que, quando tu tivesses oitenta anos, como eu, pudesses vir passear com o teu neto para aqui e conseguisses observar e partilhar com ele a folhagem verde destas velhas oliveiras, que projetam sobre a terra uma agradável e deleitosa sombra, o vento que faz estremecer as folhas, que por vezes refletem um brilho dourado. Queria que, na primavera, visses nascer as flores em botão e as suas pétalas coloridas que atraem as abelhas e as borboletas e comer os produtos biológicos produzidos aqui, tal como vamos fazer agora. Um bom pão de centeio com presunto, salpicão, queijo, folar, azeitonas, mel, figos secos e beber água destas nascentes...Se preferires, e se na altura ainda tiveres saúde, podes beber um bom vinho produzido a partir das uvas destas velhas videiras, pois esta é, sem dúvida, a melhor herança que o meu pai me deixou e que eu te posso deixar… a ti e aos teus descendentes.

            Eu olhei muito emocionado para o meu avô e compreendi qual é a maior  de todas as herança. Abracei-o com todo o meu amor, dando-lhe a entender que tudo farei para satisfazer o seu desejo. Afinal, este resume-se a utilizar os recursos no presente de uma forma sustentável para que as gerações futuras também possam usufruir da herança do “Avô António da Cruz”!




Envoyé: 21:37 Sun, 12 March 2023 par: Cruz Fernando Lucas