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Gonçalves Sobrinho Márcia

Os Meus Quatro Amores

Os meus quatro amores

 

A pessoa que leu o título deve estar a pensar “Outra vez sobre amor?!”. Eu sei, eu sei... Há inúmeras histórias de amor por aí e, sinceramente, nem sei como posso eu caracterizar a minha. Será um cliché? Será algo único?

Antes de falar das quatro pestezinhas que me fizeram viajar no mundo dos sentimentos e das descobertas, vou contar-te um pouco de mim. Nasci numa pequena cidade onde a primavera é cheia de flores e sorrisos de leite, o inverno é tão frio que dá para bater o dente e as pessoas estão sempre tristes e cansadas do trabalho. Posso dizer que, para além de ter passado aqui grande parte da minha vida, não conheço muita gente. Sempre me fechei muito, nunca fui de sair e conviver com os outros, nunca fui de muitas gentilezas com ninguém. Rude? Talvez um pouco, não o faço por mal. Simplesmente...

Os meus pais, duas pessoas com uma personalidade bastante forte, separaram-se quando eu tinha uns dois anos. Não sei muito bem, não toco muito nesse assunto visto que é um tópico sensível. Durante a minha infância viajei com alguma regularidade, vivi em Espanha, voltei para Portugal, fui para França e agora aqui estou eu novamente em Portugal. Sinto-me frustrada em relação a isso. Não pelo facto de ter mudado de casa várias vezes, mas sim pelo facto de não me lembrar de quase nada.

A minha relação com os meus pais também não é muito normal. Mas afinal o que é normal? Sendo a normalidade uma coisa tão subjetiva...

Bem... o meu pai nunca foi muito presente, vivemos em países diferentes, então acho que se justifica. Ainda assim sempre tive uma figura paternal presente, o meu padrasto. No entanto, por algum motivo desconhecido, sinto-me na obrigação de ter validação constante de homens mais velhos, acho que é aquilo a que chamam daddy issues. Por esse motivo, sempre gostei de rapazes com mais idade. Ai ai a minha vida...

Começando então agora a minha históriazinha de amor. Nunca fui uma pessoa de me apaixonar facilmente, até porque aprendi com a minha mãe a não confiar muito nas pessoas, principalmente nos homens. -“Assim que têm o que querem deixam-te e vão-se embora sem olhar para trás”; “Um homem não tem melhores amigAs, se ele diz isso é porque quer algo a mais com elas” ; “Não servem para nada”...-  Era destas coisas que eu ouvia repetidamente, dia após dia, vendo o reflexo do sofrimento nos olhos dela. A opinião da minha mãe, no meu ponto de vista, era inadmissível mas, aos poucos e inconscientemente, fui agindo conforme o que ela dizia, comecei a não confiar em ninguém e acabei, assim, por me fechar numa bolha de medo e ódio. No entanto, não ia conseguir evitá-lo para sempre, algum dia teria de me apaixonar por alguém.

E assim aconteceu... Por volta dos meus onze ou doze anos entrei para o desporto escolar, natação, foi lá que conheci a primeira pessoa pela qual o meu coraçãozinho começou a bater mais rápido e a primeira pessoa pela qual senti as tais borboletas no estômago. Ele era alto, com um cabelo claro onde uma madeixa azul lhe traçava a pequena franja à Justin Bieber, que na altura os rapazes tanto gostavam de usar, e os caracóis... Ahh! Aqueles belos caracóis... Era extremamente simpático com todos, engraçado e o sorriso dele iluminava os meus olhos. Não tinha muito interesse pela escola mas a maneira como ele falava e transmitia o que sentia dava-lhe um ar de confiança e inteligência. Completamente o meu oposto. O rapaz perfeito na minha opinião. Ou pelo menos era o que eu pensava naquele tempo...  

A nossa relação era magnífica quando nadávamos, desafiávamo-nos um ao outro, o que tornava as coisas bem melhores e memoráveis, começámos a falar por mensagens e eu sentia-me mesmo muito bem com isso, estava feliz. O tempo, quando falava com ele, passava a voar. Ele elogiava-me de todas as maneiras possíveis e eu, na minha inocência, aceitava sem me preocupar. O pensamento de não poder confiar em alguém tinha simplesmente desaparecido, como por magia. E assim fui me aproximando dele, apegando-me a ele e ao que ele dizia. Falamos por muito tempo, pensei que ele gostava mesmo de mim... Era o que ele fazia parecer.

Porém, como li nalgum sítio que já não me lembra, “tudo que fácil vem, fácil vai”. E não é que esta frase estava correta?! Ele começou a ficar estranho, mostrando que não queria falar comigo. Até que por fim, parou de me responder sem nenhuma justificação, afastou-me, deixou-me ali numa imensa escuridão, fazendo-me questionar o meu próprio valor, fazendo-me pensar que eu não era suficiente para ele, como se tivesse algum tipo de defeito de fábrica. Na escola mal tinha coragem de olhar para ele, via-o a conviver com as outras pessoas, com aquele sorriso que me destruía por dentro... Deixei de ir à natação e acabou por ali... Nunca mais tivemos nenhum tipo de contacto.

Demorou a acontecer, mas aos poucos fui-me esquecendo dele, já não me interessavam os motivos pelos quais ele tinha fugido de mim, estava com um “it is what it is” mindset.

Passado um bom tempinho, ele voltou a mandar-me mensagem-”Olá fofa”- e, como previsto, o meu coração acelerou, as maçãs do meu rosto ficaram levemente rosadas e na minha cabeça aquela voz que me dizia:“Respondo ou não respondo? Ahhh! Deixa de ser covarde, confronta-o. Pergunta-lhe o porquê. Eu sei que tu queres saber!”.... Pensei, pensei, pensei e voltei a pensar. Enfim... O que é que eu iria fazer?

Respondi. Perguntei-lhe tudo que lhe tinha a perguntar, disse-lhe tudo que tinha para lhe dizer. A desculpa dele? Hum isso... Ele disse que tinha estado mal, que se tinha afastado de toda a gente mas que estava arrependido por me ter deixado.

Eu sabia, lá no fundo, que o que ele dissera não era verdade ainda assim aceitei, eu queria a sua atenção de volta, queria ouvir os meus risos outra vez das piadas que ele me contava, queria-me sentir bem comigo mesma. Só ele é que podia fazer isso. Ficou tudo bem, continuámos a falar por mais alguns meses e depois... Voltou a acontecer, desapareceu outra vez sem deixar uma única pegada para que Sherlock Holmes o pudesse localizar. Nada!

Pois... isto aconteceu algumas vezes, sempre no vai e vem... O meu primeiro beijo foi ele que me o roubou, o que me arrependo eternamente mas, finalmente, depois de várias tentativas falhadas, consegui superá-lo. Aí prometi-me que nunca mais iria aceitar algo assim. Estar a sofrer por isto? Um boomerang ambulante que não queria saber de mim para nada? Não.

Esta foi então a primeira alma que me moldou, que reforçou a ideia que tinha na minha cabecinha imposta pela minha mãe de não poder confiar em ninguém.

Após ter percebido que o amor nem sempre é como nos é mostrado nos livros de Nicholas Sparks, estive um tempinho sem ter qualquer tipo de interação no que toca ao campo amoroso. Tirei umas férias dessa área e entrei na fase de Glow Up. Nela comecei a conhecer-me melhor, a saber do que gostava e não gostava em relação a mim mesma e esqueci completamente os rapazes.

E quando tudo estava finalmente bem e no seu devido lugar, apareceu o senhor LS. Com 17 anos, o rapaz “mais bonito da escola”, diziam as raparigas do meu ano quando entramos para o secundário, não muito alto, cabelo da cor do carvão e uns caracóis que ressaltavam a cada passo que ele dava, tinha uma aparência amigável e de brincalhão. O LS era um dos rapazes mais queridos no estabelecimento escolar, com aquele casaco bomber e aquelas Nike Blazer às quais ninguém resistia. Era lindo.

Esse mesmo rapaz todo pomposo e radiante começou a fazer-me sorrisinhos no ginásio e a trocar mensagens comigo. Comigo!! Confesso, fiquei demasiado entusiasmada e assustada ao mesmo tempo. Aquilo que o rapaz da natação me tinha feito ainda doía de alguma forma e o meu eu interior não estava preparado para passar por outro desgosto outra vez. No entanto, interagi com ele como se nada fosse, sem segundas intenções. Desta vez o que eu queria era um amigo em quem eu pudesse confiar e não um simples namorado ao qual, provavelmente, iria dizer adeus depois de dois meses de relacionamento.

Nunca tínhamos falado, nem alguma vez pensei que ele soubesse da minha existência. Era tudo tão surreal, mas a química que estávamos a ter era espantosa, conseguíamos falar de tudo e mais alguma coisa. Ele desabafou comigo, eu desabafei com ele. Sentia que o conhecia desde sempre.

Tudo isto aconteceu em menos de duas semanas, sim, foi tudo muito rápido. Mas quando encontramos alguém com o mesmo neurónio que nós é difícil contermo-nos e as coisas acabam por fluir.

Todas as noites eram chamadas de duas ou três horas, esperava sempre por ouvir o toque do Samsung a partir das nove e meia da noite, nervosa e inquieta. O telemóvel ali na minha cama e eu a andar de trás para a frente à espera dele. Que ele me ligasse. -“Ah liga de uma vez, não aguento esperar tanto. Quero ouvir a tua voz.”-Sim... a  voz dele, que àquela hora já se encontrava cansada e rouca depois de um treino de futebol. Grave e calma. Aquela voz que assim que se penetrava nos meus ouvidos fazia estremecer cada canto do meu corpo.

Este foi o meu erro, deixei as coisas fluírem demasiado, deixei o meu coração controlar esta máquina e esqueci tudo o que o meu cérebro me estava a tentar dizer. Não devia tê-lo feito mas, novamente, acabei por me apaixonar por outro rapaz, estava desiludida comigo mesma. Eu sabia que isto era má ideia desde o início, eu sabia que ia sair magoada outra vez. Eu sabia disto tudo mas não queria crer. No entanto não parei tinha uma leve esperança de que ele fosse diferente, que não fosse como os outros rapazes que falam com as raparigas, enganam-nas e magoam-nas. O LS era diferente!

Combinámos de nos encontrar sexta-feira à noite, novamente às nove e meia, ao pé da escola. Assim que o vi arranjei discretamente o cabelo, melhorei ligeiramente a minha postura e finalmente estava ao pé dele. Embora estivéssemos ambos bastante envergonhados falámos durante um bom bocado, rimo-nos de tudo que havia para rir. A noite estava linda, o céu brilhante e as ruas eram iluminadas pela luz do luar.

Quando me apercebi estava agarrada a ele, a sua mão direita colada à minha cintura, a esquerda a levantar o meu queixo fazendo com que os nossos olhos se encontrassem, os meus braços à volta do seu pescoço e as nossas respirações ofegantes. Um beijo aconteceu, um único beijo e um leve  arrependimento que enchera o meu peito, fazendo-me questionar se era aquilo que eu queria. Essa noite acabou com ele a levar-me a casa, despedindo-se de mim com um abraço e um pequeno beijo no meu rosto. Foi incrível.  Mas por mais incrível que tivesse sido, nesse dia não dormi nada, estava inquieta e sempre com o mesmo pensamento de que ia acabar por me arrepender.

Passei o resto do fim de semana sem ter qualquer tipo de noticias em relação a ele, outra vez ansiosa, mais uma vez a perguntar-me se tinha feito algo de mal. Convenci-me que se podia estar a passar algo com ele por isso não o quis incomodar, dei-lhe espaço e esperei que ele me enviasse uma pequena notificação. Esperei em vão, ele não o fez.

Na manhã de segunda-feira, um grupinho de raparigas veio-me confrontar, perguntar-me se o que tinham ouvido sobre mim e ele era verdade e eu, sem perceber patavina do que se estava a passar, confirmei. Nesse preciso momento e em simultâneo a pena nublou as caras delas,mandaram-me sentar e contaram-me uma pequena história. O senhor LS, com outras raparigas, na mesma noite, depois de mim. Não tinha como, não queria acreditar naquilo que estava a ouvir, não podia ser, simplesmente não. Mas afinal dizei-me, qual era o meu problema?!

No resto dessas vinte e quatro horas a única coisa que tive coragem de fazer foi ir para casa com a desculpa que me estava a doer a barriga. E claro, preocupadamente, a minha mãe tratou de mim o resto da tarde. Fez-me a minha comida preferida, ouviu-me chorar e aconselhou-me a falar com ele. Senti-me uma donzela nas cantigas de amigo sendo a minha mãe a confidente. Isso, de certa forma, contribuiu para uma aproximação entre nós.

Após falar com o senhor LS, mais uma vez por horas, cheguei à simples conclusão que ele não era o tal. Ele não era a pessoa que ia fazer de mim alguém melhor, não era ele e pronto. Aceitei da melhor forma que consegui. Agora passamos um pelo outro na escola e fingimos que nada aconteceu.

Nesse inverno a minha esperança em relação aos relacionamentos estava a zero por cento, dois rapazes que me tinham magoado, eu que não percebia qual era o meu problema e a autoconfiança que tinha fugido do meu corpo. Estava perdida, sem mapa, sem destino.

Sim, estou a lembrar-me agora, foi nesse triste e doce inverno que reconheci que sempre tive ao meu lado outro amor. Um amor que me mostrou as melhores e mais belas coisas do mundo. Um amor que esteve sempre aqui para mim. Um amor que ama todas as minhas virtudes, mas ama acima de tudo todos os meus defeitos. Um amor que me fez e faz aceitar cada pedaço do meu corpo, cada fio do meu cabelo.

Ela, também com uns caracóis claros, a pele pálida como a neve, lábios carnudos e um olhar vibrante foi a única pessoa que me salvou da eterna escuridão naquele inverno. Arrancando de mim aquele riso que poucas pessoas conhecem, fazendo-me perceber que havia muito mais na vida para além de “dois rapazes que não reconheciam o meu valor”.

Admito que a acho bastante teimosa, o que faz com que, muitas vezes, tenhamos pequenas discussões, mas também a considero das melhores coisas que me aconteceram na minha vida. A ti meu terceiro amor, tenho a dizer-te que te amo. Amo-te e sempre te amarei, incondicionalmente.

Falta-me falar de uma pessoa ainda e, na verdade, não sei por onde começar. Esta quarta pestezinha apareceu na minha vida da forma mais aleatória que eu podia imaginar, no momento mais imprevisível possível segundo os meus pensamentos. Como posso eu descrevê-lo?  Um rapaz alto, estatura magra, um pouco moreno, cabelo ondulado, com um estilo bem diferente daquilo que a estou habituada a ver na minha escola. Envergonhado mas curioso, simpático e compreensível, tão parecido comigo e ao mesmo tempo tão diferente de mim. A primeira vez que o vi fiquei maravilhada, não só pela beleza dele, mas também pela serenidade que ele transmitia. Não costumo ser muito observadora no que toca aos rapazes mas este daqui captou a minha atenção de forma inexplicável, contudo e independentemente da vontade que eu tinha de me aproximar dele ser enorme não o fiz, acabando assim por ignorá-lo.

Trabalhava eu no café do meu padrasto, era verão, o calor era infernal mas as pessoas estavam felizes enquanto bebiam cerveja fresca. Ouviam-se risos por todo lado e, apesar do cansaço ser extremo, esses risos faziam-me dar aquele sorriso discreto no qual mais tarde ele reparou.

Não o via muitas vezes, era raro ele ir ao café nos dias em que eu trabalhava o que facilitou a minha decisão de não querer interagir com ele, mesmo assim e, com o passar do tempo, acabámos por nos conhecer. Fiquei mais uma vez entusiasmada com tudo o que se estava a passar, novamente outra pessoa que estava a tentar entrar na minha bolinha, aquele medo e aquela adrenalina toda provocada pelas lembranças do passado. Novamente aquelas sensações horríveis que me aterrorizavam. Tinha medo, estava assustada com o que podia acontecer, medo de o amar, medo de me apaixonar mais uma vez, medo de sentir que não tinha valor algum no mundo. Aquele medo que só uma pessoa que enfrentou os horrores do amor pode descrever. Agora, o único medo que tenho é de o perder... Tive medo de dar demais de mim outra vez, de entrar naquele amor adolescente depois de tudo o que se passou, tive medo de fazer o simples gesto de demonstrar os meus sentimentos a uma pessoa mas aqui estou eu depois desses medos todos, completamente apaixonada.

Sim caro leitor, estou a escrever sobre o meu primeiro namorado. O primeiro e único rapaz até agora que teve a decência de  revelar ao mundo que me ama. Ele não é o príncipe encantado que todas as meninas de cinco anos sonham em conhecer quando forem maiores, mas com ele sinto-me a Jasmine, ele provou-me que podia confiar nele fazendo-me sentar no tapete voador e apresentando-me “A Whole New World”, mostrou-me uma nova e fantástica versão do mundo, fez-me sentir novas sensações e doces emoções, coisas que nunca tinha sentido antes. Com ele posso ser o Monstro da Bela, posso mostrar-lhe todas as minhas versões sem me sentir mal comigo mesma ou constrangida de alguma forma.

Se me perguntarem se continuo com medo digo sem pensar duas vezes que sim, agora o meu medo resume-se a perdê-lo, a não encontrar alguém assim outra vez. Mas, desta vez, vou viver o presente, sem me focar no passado e só pensar no futuro, o que tiver para ser, será e no final tudo irá ficar bem.


 




Envoyé: 14:30 Mon, 6 March 2023 par: Gonçalves Sobrinho Márcia